Colunas
Reprodução de Peixes
04 de Março de 2025 Eduardo Antônio Sanches
O Que é Criopreservação Espermática e o que Falta para ser Rotina na Produção dos Peixes no Brasil?

Muitos já ouviram falar sobre criopreservação espermática, técnica convencional na reprodução de mamíferos, especialmente em bovinos e equinos, em que doses inseminantes são comercializadas com frequência, garantindo genética da prole com características desejáveis. Porém, e para peixes, por que não é utilizada com rotina na reprodução comercial? O que falta para “decolar”? Pois bem, nessa coluna abordaremos brevemente algumas questões relacionadas a esse tema. 3jv39

 

 

A técnica de criopreservação consiste em congelar células espermáticas em nitrogênio líquido (-196°C) por tempo indeterminado, de modo que após o descongelamento, os espermatozoides possam fecundar os oócitos, permitindo desenvolvimento embrionário e produção de larvas viáveis. Para peixes, a técnica começou ser utilizada em meados de 1950 com resultados positivos em diferentes espécies, especialmente salmonídeos. Já para peixes nativos sul-americanos a recente revisão publicada por Streit Jr. et al. (2024)1 aponta que os primeiros trabalhos foram realizados na década de 1980 e se intensificaram a partir dos anos 2000, e atualmente 34 espécies já foram estudadas para a aplicação da técnica. 

Apesar de aproximadamente 140 trabalhos publicados com essas espécies, verifica-se ainda uma lacuna de protocolo completamente eficiente que possa ser aplicado pelos produtores. Isso se deve a um conjunto de aspectos que precisa ser considerado, de modo que a técnica permita a viabilidade das células após o procedimento. Dentre os fatores que precisam ser considerados, destacam-se as soluções crioprotetoras e diluidoras utilizadas, o procedimento de congelamento e de descongelamento aplicados.

 

 

As soluções crioprotetoras são compostas por crioproterores intracelulares e extracelulares ou também chamados de diluidores/extensores. A principal função destas soluções é evitar a formação de cristais de gelo durante o congelamento, e isso é possível, em função da composição dos mesmos. Os intracelulares possuem a função de penetrar no interior da célula com destaques para o dimetilsulfóxido – DMSO, metanol, metilglicol, entre outros. Já os diluidores possuem a função de diluir o sêmen e proporcionar um meio extracelular capaz de evitar a cristalização, destacam-se a glicose, gema de ovo, BTS, leite em pó, entre outros.

Os procedimentos aplicados são variáveis2 e na grande maioria dos trabalhos ocorre uma prévia diluição do sêmen nas soluções crioprotetoras nas proporções de 1:3 a 1:10 de sêmen:solução. Na sequência, ocorre o envaze em palhetas de 0,25 a 4,0 mL ou em tubos criogênicos de 2 a 4 mL, em seguida, um tempo de equilíbrio de aproximadamente 15 min é respeitado antes do pré-congelamento, que é realizado em vapor de nitrogênio, sendo estes em botijões de vapor (dry-shipper) ou de 1 a 3 cm acima do nitrogênio líquido, nesse caso, em caixas de isopor adaptadas. Em seguida, as palhetas, ou tubos, são dispostos em racks e imersos diretamente em nitrogênio líquido em botijões específicos para essa atividade, por tempo indeterminado até o descongelamento. Essa última etapa, também necessita de cuidados específicos para evitar a recristalização do gelo, sendo geralmente realizadas em banho maria, que pode estar entre 25 a 60°C de 4 a 25s, conforme a temperatura. Após o descongelamento, análises da motilidade espermática devem ser realizadas a fim de verificar a eficiência e é comum observarmos resultados de 20 a 80%, sendo que quanto mais células móveis e mais rápidas se movimentam, maior é a capacidade fecundante. 

Como podem observar, a técnica envolve uma série de detalhes minuciosos e a variação dos resultados são comuns, apresentando em certos casos, baixa reprodutibilidade devido à falta de padronização dos métodos. Esses fatos proporcionam certa dificuldade de buscar um “protocolo ideal” para ser aplicado com acurácia pelos produtores, que por sua vez, pensam duas vezes antes de realizar o investimento necessário para isso. Ou seja, aliado a essas incertezas dos resultados e considerando os custos para compra dos materiais e de manutenção do banco de sêmen, os produtores ainda preferem manter um maior plantel in-situ de machos para atender sua necessidade. 

 

 

Apesar disso, o cenário futuro é positivo, pois para algumas espécies nativas já foi possível realizar a fecundação com sêmen criopreservado em escala comercial e com resultados comparáveis ao sêmen fresco. Isso vêm possibilitado a transferência da tecnologia aos produtores, que os poucos, vem se aproximado da academia para realizações de parcerias. Aliados a isso, programas de melhoramento genético estão sendo conduzidos por alguns grupos, o que possibilitará da aplicação da técnica de criopreservação como rotina, facilitando até mesmo o comércio de doses de peixes com características desejáveis. Ainda, considerando que algumas espécies se encontram em perigo ou ameaçadas de extinção, e poucos indivíduos machos são mantidos em pisciculturas, a técnica permite o direcionamento genético em cruzamentos específicos para programas de peixamento/repovoamento. Verifica-se ainda, situações de assincronía de reprodutores na produção de determinados híbridos, em que machos de uma espécie entram em maturação em períodos diferentes das fêmeas da outra, nesse caso, a criopreservação torna-se uma importante ferramenta aplicada na reprodução.

Diante dos aspectos mencionados, os desafios ainda são grandes, mas com base nos resultados encontrados por diferentes grupos de pesquisa verifica-se que ainda há “luz no fim do túnel” e aos poucos as dificuldades superadas. Temos que melhorar, sim e muito, mas se não houver maior interação entre o setor produtivo e as instituições de pesquisa, o processo se torna mais lento e os anseios do setor produtivo não são atingidos no tempo que nós gostaríamos. 

 

Literatura Recomendada:

1Streit Jr., D. P. et al. (2024) Sperm Cryopreservation Protocols for Neotropical South American Species. In: Danilo P. Streit Jr.; Tiantian Zhang; Estefania Paredes. (Org.). Cryobiology for South American Neotropical Fish Species. 1ªed. Boca Raton: CRC Press, p.192-218. Doi: 10.1201/9781003269441 

2Viveiros, A. T. D. M., & Godinho, H. P. (2009). Sperm quality and cryopreservation of Brazilian freshwater fish species: a review. Fish Physiology and Biochemistry, 35, p.137-150. Doi: 10.1007/s10695-008-9240-3

 

Anterior
Próxima
Colunista
Capa do colunista Eduardo Antônio Sanches
Eduardo Antônio Sanches

Engenheiro de Pesca formado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste/Toledo, possui mestrado e doutorado em Aquicultura pelo Centro de Aquicultura da Unesp - CAUNESP/Jaboticabal. Realizou estágio de pós-doutorado pela Fapesp no Instituto de Pesca na área de Reprodução de Peixes.

Atualmente é Professor da Unesp vinculado ao Curso de Engenharia de Pesca da Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira - FCAVR/Unesp Campus Registro e do Programa de Pós Graduação em Aquicultura do Caunesp. Atua na área de reprodução de peixes de água doce com ênfase em qualidade de gametas e reprodução induzida.

Categorias
Charges
Capa Puçá de chuva
Puçá de chuva
Charge Edição nº 30 Publicado em 30/07/2024
Informativo

Assine nosso informativo para receber promoções, notícias e novidades por e-mail.

+55 (48) 9 9646-7200

[email protected]

Av. Senador Gallotti, 329 - Mar Grosso
Laguna - SC, 88790-000

AQUACULTURE BRASIL LTDA ME
CNPJ 24.377.435/0001­
18

Top

Preencha todos os campos obrigatórios.

No momento não conseguimos enviar seu e-mail, você pode mandar mensagem diretamente para [email protected].

Contato enviado com sucesso, em breve retornamos.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Preencha todos os campos obrigatórios.

Você será redirecionado em alguns segundos!