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Tecnologia do Pescado
28 de Abril de 2025 Alex Augusto Gonçalves
Glaciamento do Pescado (Ice-Glazing): Conceitos, Benefícios e Riscos

Já reparou naquela camada de gelo que envolve o pescado congelado embalado —isso é normal ou foi algum problema no processamento? Na verdade, é totalmente normal e faz parte de um processo tecnológico chamado glaciamento — também conhecido pelos nomes glaze, glazing ou ice-glazing. Esse processo é amplamente utilizado pela indústria do pescado para preservar a qualidade dos produtos congelados ao longo do armazenamento, transporte e comercialização, e consiste na aplicação de uma fina camada de gelo sobre a superfície do pescado já congelado.  1v6j5x

 

 

 

Por que o glaciamento é necessário? 1t1q3v

O glaciamento é uma etapa tecnológica eficaz para proteger o pescado congelado, preservando sua qualidade por meio da formação de uma camada de gelo que atua como barreira contra possíveis alterações que possam ocorrer durante o armazenamento e transporte em baixas temperaturas, além de protegê-lo de pequenas flutuações térmicas e queimaduras causadas pelo frio. A camada de gelo formada no glaciamento atua como uma barreira protetora que reduz o contato do pescado com o ar, diminuindo riscos como oxidação lipídica (responsável pelo ranço), queimaduras superficiais causadas pelo frio, perda de umidade por sublimação — que afeta textura e sabor. Além disso, o processo de glaciamento, reduz os efeitos de variações térmicas durante o transporte e armazenamento, minimiza danos físicos durante a manipulação, transporte e comercialização e contribui para maior durabilidade do produto, minimizando perdas e preservando seu valor comercial e nutricional.

Como é feito o glaciamento? x4247

O processo de glaciamento é feito na sequência do processo de congelamento do pescado, e segue as seguintes etapas: (1) recebimento do produto congelado; (2) inspeção de qualidade; (3) ajuste de temperatura do produto (≤ -18°C); (4) aplicação da água gelada por imersão (submersão rápida em água fria – mais comum) ou pulverização (aspersão) de água fria; (5) drenagem do excesso; (6) congelamento final para fixar a camada de gelo; (7) pesagem e verificação; (8) embalagem e rotulagem; e (9) armazenamento e distribuição. Esse processo garante que o glaciamento seja uniforme, sem fraudes no peso, e que o produto mantenha sua qualidade por mais tempo.

 

 

O glaciamento tradicional utiliza água como material principal, no entanto, nos últimos anos, tem crescido o interesse na incorporação de outros componentes (aditivos) tais como, carboximetilcelulose, ácido cítrico, glicerina, e polissacarídeos naturais (quitosana, alginato de sódio e carragena) nas soluções de glaciamento, melhorando significativamente sua transparência, aderência no pescado congelado, impedindo que ela se quebre ou se desprenda facilmente durante o transporte e posterior comercialização.

Quantidade ideal de glaciamento 45291y

As espessuras do glaciamento estão intimamente relacionadas a diversos fatores, como a temperatura inicial do pescado congelado, o tipo de pescado (área superficial), a temperatura da água utilizada, o tempo de imersão, e repetições da etapa de imersão (ou aspersão). A qualidade do produto pode ser diretamente afetada pela espessura dessa camada: quando muito fina (inferior a 6%), pode não oferecer proteção suficiente ao longo do armazenamento/comercialização; por outro lado, um glaciamento excessivo (superior a 20%), apesar de garantir a qualidade final do produto no armazenamento e comercialização até seu descongelamento, pode prejudicar os interesses do consumidor e ser considerado abuso ou até fraude, especialmente se não informado corretamente na rotulagem. O nível ideal de glaciamento situa-se em torno de 10-15% do peso do produto. Estudos demonstram que para camarão, um percentual de 15-20% de glaciamento garante a qualidade do camarão congelado armazenado por 6 meses, não necessitando percentuais maiores com o mesmo objetivo. Portanto, desde que seja compensado seu peso, um percentual maior do que é exigido pela legislação pode ser utilizado visando maximizar a qualidade do produto por maior tempo de armazenamento.

 

 

 

 

Ressalta-se que o peso real do pescado — chamado de “peso líquido” — corresponde ao peso do produto congelado após a remoção do gelo (glaciamento) e embalagem final, sendo esse o valor que deve constar na rotulagem para permitir a comparação justa entre produtos similares. A camada de gelo do glaciamento é considerada parte do material de embalagem e, portanto, deve ser excluído do conteúdo líquido declarado. Os produtos glaciados devem conter informações claras sobre o conteúdo líquido, o peso da embalagem (tara) e o peso da camada de gelo aplicada, garantindo a transparência e a proteção do consumidor.

Se os produtos forem pré-medidos ou pré-embalados com conteúdo nominal variável, a indicação do peso líquido pode ser feita no ponto de venda, por meio de etiqueta, desde que o fabricante informe o peso da embalagem e o peso do glaciamento, conforme regulamentação do INMETRO. A seguir abordaremos algumas terminologias que causam confusão:

Glaciamento

processo que envolve a aplicação de uma camada fina de gelo na superfície do pescado já congelado, formando uma barreira protetora e eficiente contra a oxidação, queimadura pelo frio, e perda de umidade por sublimação durante o armazenamento.

Peso glaciado

peso do produto congelado + peso do gelo incorporado no processo de glaciamento.

Desglaciamento

processo de remoção da camada de gelo da superfície do produto congelado. Neste processo, o produto congelado não deve ser descongelado.

Descongelamento

processo de agem do estado sólido para o estado natural, onde há perda de líquido. O percentual de líquido perdido dependerá da qualidade da matéria prima, do processo de congelamento, ou seja, quanto menor a velocidade de congelamento, maior a perda de água no descongelamento, devido a formação de cristais de gelo.

Peso líquido

peso desglaciado (excluindo o peso da embalagem) – apenas o peso do produto congelado.

Peso desglaciado

peso do produto congelado após a remoção da camada de glaciamento. O peso desglaciado não pode ser confundido com peso descongelado ou peso líquido drenado.

Peso descongelado

Peso do produto após o desglaciamento e descongelamento (excluindo o peso da embalagem). Aqui surge uma grande dúvida e descontentamento do consumidor de pescado congelado, pois o peso descongelado sempre é menor que o peso líquido declarado na embalagem. De fato, como já mencionado, no descongelamento há perda do glaciamento + água natural do pescado, e por isso há uma diferença, sem mencionar que o % de perda de água no descongelamento vai estar relacionado ao tido de congelamento inicial (maior perda de água no congelamento lento) e no tipo de descongelamento que o consumidor utilizou.

 

Riscos e desafios: o que é o overglazing? 2666

Apesar de ser uma técnica amplamente utilizada e eficaz na preservação da qualidade do pescado congelado, o glaciamento também pode ser utilizado de forma abusiva com o objetivo de inflar artificialmente o peso do produto, prática conhecida como overglazing. Nesses casos, empresas inescrupulosas aplicam camadas excessivamente espessas de gelo — muitas vezes por meio de múltiplas aplicações sucessivas — que elevam o peso total do produto, mascarando a real quantidade de pescado presente.

 

 

A ausência de informações claras e precisas sobre o peso líquido (peso do produto sem a camada de gelo) contribui para enganar o consumidor, que acaba pagando por água em vez de alimento. Por exemplo, um pacote anunciado como contendo 1 kg de peixe congelado e glaciado pode, na verdade, ter apenas 740 g de carne, o que representa 26% de glaciamento — acima do limite legal permitido no Brasil, que é de 12% para peixe e 20% para camarão. Essa prática configura fraude contra o consumidor, comprometendo a transparência, a confiança na indústria e a competitividade justa entre empresas. A legislação prevê que, quando o percentual de glaciamento ultraa o limite permitido, o excedente deve ser compensado no peso declarado, o que muitas vezes não ocorre. Assim, os impactos negativos incluem prejuízo financeiro para o consumidor, perda de confiança no setor de pescado e concorrência desleal com empresas que seguem corretamente as normas.

 

 

O glaciamento é uma ferramenta tecnológica essencial para a conservação do pescado congelado, atuando como uma barreira protetora contra a oxidação, a desidratação e as variações térmicas. Essa técnica contribui para preservar o sabor, a textura e o valor nutricional dos produtos. Quando aplicado de forma adequada — com camadas moderadas de gelo e rotulagem transparente — o glaciamento é um importante aliado da indústria e do consumidor. Porém, o uso excessivo da técnica, conhecido como overglazing, compromete sua função original e a a ser utilizado como estratégia de manipulação (engano). Camadas de gelo acima de 25% do peso total, sem compensação, embora possam preservar a qualidade do pescado, resultam em perdas reais para o consumidor, que acaba pagando mais por menos peixe. Diante disso, é fundamental que o consumidor esteja atento à rotulagem, exija informações claras sobre o peso líquido real e valorize empresas comprometidas com a legislação. Estar bem-informado é o melhor caminho para garantir que, ao comprar pescado congelado, você esteja pagando por peixe — e não por água.

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Capa do colunista Alex Augusto Gonçalves
Alex Augusto Gonçalves

Oceanógrafo (FURG – 1993), Mestre em Engenharia de Alimentos (FURG – 1998), Doutor em Engenharia de Produção (UFRGS – 2005) e Pós-doutor em Engenharia (Dalhousie University, Halifax, Canada – 2008). Foi professor do curso de Engenharia de Alimentos (ICTA/UFRGS e UNISINOS), coordenador adjunto do Curso Superior em Gastronomia (UNISINOS), professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), do Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGNUT/UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira (PPG-BEMC/UNIFESP). Hoje é Professor Associado IV no curso de Engenharia de Pesca, Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC/CCA/DCA/UFERSA), responsável pelas disciplinas de Tecnologia do Pescado I e II, Tecnologia, Inspeção e Controle de Qualidade do Pescado, e Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Produtos da Pesca e Aquicultura. Foi Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ) CNPq – nível 2 (2017-2019), e Editor Associado – Brazilian Journal of Food Technology (2014-2019). Consultor Ad hoc de revistas nacionais e internacionais, revisor Ad hoc de Projetos de Pesquisa e Extensão, e consultor internacional da FAO/ONU. Editor do Livro “Tecnologia do Pescado: ciência, tecnologia, inovação e legislação” (2ª. Ed) premiado em 2º Lugar na Categoria “Tecnologia e Informática”, no 54º Prêmio Jabuti 2012. Encontra-se desde 2019 cedido ao Ministério da Agricultura e Pecuária. Foi Coordenador-Geral da Pesca Continental (SAP/MAPA), Coordenador-Geral de Monitoramento da Pesca e Aquicultura (SAP/MAPA), Diretor Departamento de Pesca (SAP/MAPA), Gerente de projetos do Escritório de Gestão de Projetos (SAP/MAPA), Assessor Técnico Especializado do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação (DEPROS/SDI/MAPA), Chefe do Serviço de Transparência e Fomento (DEPROS/SDI/MAPA), Chefe do Serviço de Ouvidoria e Transparência (Ouvidoria/MAPA), e atualmente Coordenador da Coordenação de Ouvidoria e Transparência da Ouvidoria/MAPA.

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Charge Edição nº 30 Publicado em 30/07/2024
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