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Tecnologia do Pescado
02 de Dezembro de 2024 Alex Augusto Gonçalves
Bacalhau: um peixe ou um processo tecnológico?

Tenho acompanhado diversas discussões sobre o termo "bacalhau", onde alguns argumentam que "bacalhau" se refere a um "processo tecnológico" e não a um peixe, enquanto outros defendem que "bacalhau" é, de fato, uma espécie de peixe, sendo a salga o verdadeiro "processo tecnológico". 4t5kc

Essa discussão sobre o termo "bacalhau" reflete a confusão entre a espécie de peixe e o processo de conservação. Tecnicamente, "bacalhau" (Cod, em inglês) refere-se a peixes demersais do gênero Gadus, da família Gadidae. Por outro lado, a salga, seja seguida ou não de secagem, é o processo tecnológico aplicado à conservação do pescado, e não define o peixe em si.

 

 

A controvérsia surge quando o termo "bacalhau" é usado de forma mais ampla, associando-o a qualquer peixe salgado, o que leva alguns a sugerirem que "bacalhau" seria um processo tecnológico, quando, na verdade, a designação correta do produto deve sempre associar o nome da espécie do peixe ao processo de conservação. Por exemplo, no caso do Gadus morhua, o correto seria "bacalhau salgado" ou "bacalhau salgado seco", deixando claro que "bacalhau" é o nome do peixe, e a salga é o processo de conservação.

Abro espaço aqui para discutir um dos processos tecnológicos mais antigos de conservação: a salga do pescado, que pode ser seguida ou não pelo processo de secagem. Esse método envolve a remoção de água e a incorporação de sal no músculo do peixe, processo que ocorre por meio de difusão, osmose e uma série de reações químicas e bioquímicas. Esses fatores não apenas conservam o pescado, mas também resultam em alterações sensoriais características, como mudanças na cor, no sabor e na textura, típicas de produtos salgados.

Existem diferentes tipos de processos de salga: i) Salmouragem: (salga-úmida):os peixes são colocados numa solução salina durante um período de tempo relativamente curto, como um pré-tratamento para outra etapa de processamento, como por exemplo defumação; ii) Conserva (Pickling): significa que a matéria-prima é armazenada durante mais tempo na salmoura, como por exemplo o arenque em conserva; iii) Cura Kench (salga seca): peixes brancos são abertos (corte espalmado) e salgado seco, enquanto a salmoura em desenvolvimento produzida é liberada, e os produtos resultantes podem ter uma vida útil muito longa; iv) Cura Gaspé: vem de uma região do Canadá e consiste em salga seca por vários dias com o restante do produto na salmoura produzida (semelhante salga mista), e uma etapa subsequente de secagem ao sol; v) Salga mista: os peixes são colocados juntos com sal seco (salga seca) em recipientes estanques como barris ou similares adequados e deixados para maturar na salmoura (salga úmida) que vai se formando.

Os métodos mais comuns utilizados pela indústria ainda são a salga seca e a salga úmida (salmoura). No entanto, métodos mais recentes, como a injeção de salmoura ou a combinação de diferentes técnicas, têm sido aplicados para a produção de peixes “levemente salgados”. Outro avanço é a salga a vácuo, que reduz o tempo de processamento e aumenta o rendimento, tornando o processo mais eficiente.

 

 

E o que diz a nossa legislação? O Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Peixe Salgado e Peixe Salgado Seco (Instrução Normativa SDA N° 01, de 15/01/2019) estabelece que, para um peixe ser denominado peixe salgado, ele deve atender aos seguintes parâmetros: umidade mínima de 53% e máxima de 58%, teor de sal mínimo de 12%, e ser mantido refrigerado a no máximo 4°C. Já para o peixe salgado-seco, a umidade máxima permitida é de 52,9%, com teor de sal mínimo de 12%, devendo ser armazenado e transportado sob uma temperatura máxima de 7°C. Não obstante, até a presente data não há nenhuma informação sobre a inclusão do peixe levemente salgado (ou dessalgado) na legislação brasileira.

Ademais, a denominação do produto deve sempre incluir o nome comum da espécie, seguido de "salgado" ou "salgado seco", além da forma de apresentação (espalmado, espalmado sem cabeça, eviscerado, eviscerado sem cabeça, filé, filé em pedaços, filé espalmado, meio peixe, posta).

No caso das espécies pertencentes às famílias Salmonidae e Gadidae, a legislação exige que, além do nome comum, o nome científico da espécie também seja incluído na rotulagem. Nesse sentido, a Portaria Nº 570, de 23/03/2023 (que altera a IN Nº 53, de 01/09/2020), define o nome comum e os respectivos nomes científicos dessas espécies, tais como:

 

 

No entanto, diversas espécies estão sendo comercializadas como bacalhau, mas não o são. São, na verdade, peixes salgados ou salgados-secos, e devem ser nomeados corretamente, como, por exemplo: Pirarucu salgado ou Pirarucu salgado-seco. Peixes como Zarbo, Saithe e Ling, quando am pelo processo de salga e secagem, podem se assemelhar visualmente ao bacalhau tradicional, mas não podem ser vendidos como tal. O mesmo acontece com o polaca do Alasca, que entrou no mercado como "bacalhau", especialmente na forma de “lascas de bacalhau salgado”.

 

 

 

Portanto, é importante estar atento na hora de adquirir o verdadeiro bacalhau!

 

Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves

Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFERSA), Mossoró, RN

Ouvidoria, Ministério da Agricultura e Pecuária, Brasília, DF

[email protected] | (61) 99173-8910

 

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Alex Augusto Gonçalves

Oceanógrafo (FURG – 1993), Mestre em Engenharia de Alimentos (FURG – 1998), Doutor em Engenharia de Produção (UFRGS – 2005) e Pós-doutor em Engenharia (Dalhousie University, Halifax, Canada – 2008). Foi professor do curso de Engenharia de Alimentos (ICTA/UFRGS e UNISINOS), coordenador adjunto do Curso Superior em Gastronomia (UNISINOS), professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), do Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGNUT/UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira (PPG-BEMC/UNIFESP). Hoje é Professor Associado IV no curso de Engenharia de Pesca, Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC/CCA/DCA/UFERSA), responsável pelas disciplinas de Tecnologia do Pescado I e II, Tecnologia, Inspeção e Controle de Qualidade do Pescado, e Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Produtos da Pesca e Aquicultura. Foi Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ) CNPq – nível 2 (2017-2019), e Editor Associado – Brazilian Journal of Food Technology (2014-2019). Consultor Ad hoc de revistas nacionais e internacionais, revisor Ad hoc de Projetos de Pesquisa e Extensão, e consultor internacional da FAO/ONU. Editor do Livro “Tecnologia do Pescado: ciência, tecnologia, inovação e legislação” (2ª. Ed) premiado em 2º Lugar na Categoria “Tecnologia e Informática”, no 54º Prêmio Jabuti 2012. Encontra-se desde 2019 cedido ao Ministério da Agricultura e Pecuária. Foi Coordenador-Geral da Pesca Continental (SAP/MAPA), Coordenador-Geral de Monitoramento da Pesca e Aquicultura (SAP/MAPA), Diretor Departamento de Pesca (SAP/MAPA), Gerente de projetos do Escritório de Gestão de Projetos (SAP/MAPA), Assessor Técnico Especializado do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação (DEPROS/SDI/MAPA), Chefe do Serviço de Transparência e Fomento (DEPROS/SDI/MAPA), Chefe do Serviço de Ouvidoria e Transparência (Ouvidoria/MAPA), e atualmente Coordenador da Coordenação de Ouvidoria e Transparência da Ouvidoria/MAPA.

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