O primeiro mês de 2025 começou com notícias nada “novas” sobre possíveis reformas ministeriais. Novamente, o “Ministério da Pesca e Aquicultura” (MPA) — ou simplesmente “Ministério da Pesca”, como é popularmente chamado — vem sendo mencionado como uma das pastas candidatas à extinção, reacendendo debates sobre o futuro da gestão do setor no Brasil. Embora essa discussão não seja inédita, ela expõe um problema fundamental: a falta de identidade e estabilidade institucional, refletida na mudança constante de estruturas e nomenclaturas ao longo das décadas. 726z15
Para entender o cenário atual, vale a pena relembrar os diferentes momentos pelos quais a pesca e a aquicultura já aram na istração pública brasileira:
É visível a quantidade de transferências, extinções e recriações de pastas. Isso gera insegurança, descontinuidade de políticas e pouca clareza estratégica para um setor que, a cada dia, se mostra mais relevante no cenário global.
Entre as diversas discussões existentes, uma que raramente ganha destaque, mas que pode ter grande impacto, é a nomenclatura do próprio setor. Este é o tema central do presente artigo.
Pesca costuma remeter ao ato de pescar, algo que pode soar recreativo ou artesanal.
Pescado traz a ideia do produto em si (peixes, crustáceos, moluscos, algas etc.) e remete a uma indústria organizada, voltada para consumo e processamento.
De acordo com os dicionários, “pesca” é definida como o ato ou a técnica de pescar, enquanto “pescado” se refere aos produtos da pesca ou da aquicultura. Aqui reside a essência do problema. A PESCA é apenas uma ferramenta, assim como a AQUICULTURA, ambas destinadas à obtenção de PESCADO. Ao nomear o setor como “pesca”, reduzimos sua imagem a uma atividade isolada e deixamos de comunicar sua importância como uma cadeia produtiva integrada, que envolve desde a captura e cultivo até o processamento e comercialização de peixes, crustáceos, moluscos e outros produtos aquáticos.
Em um país onde a percepção pública pode influenciar escolhas de carreira, essa diferença de nomenclatura é significativa. Que pai incentivaria o filho a cursar “Engenharia de Pesca” se o nome soa como algo limitado? “Engenharia do Pescado” teria uma conotação muito mais atraente e alinhada com o mercado global.
Observe os nomes fantasia e registros de empresas do segmento. Quantas usam “pesca” como parte da identidade? A grande maioria prefere “pescado” ou nomes que destacam produtos e serviços, distanciando-se do termo que parece menos representativo e, por vezes, pejorativo.
A graduação em “Engenharia de Pesca” poderia ser substituída por “Engenharia do Pescado”, soando mais moderna e abrangente, incentivando novas gerações a enxergarem carreira e oportunidades em um setor que movimenta bilhões.
Um exercício simples pode ilustrar a necessidade de uma mudança na forma como o setor é comunicado. Pesquise no Google imagens para os termos “pesca” e “pescado” e observe os resultados. Enquanto “pesca” apresenta fotos de pessoas com varas de pescar ou redes, “pescado” exibe produtos finalizados, prontos para o consumo, e imagens que remetem à indústria e ao comércio. Isso evidencia a necessidade de uma comunicação mais clara e assertiva sobre a importância econômica e social do setor.
A relevância global do pescado vem crescendo vertiginosamente. Hoje, já se cultiva (AQUICULTURA) mais do que se extrai do ambiente natural (PESCA), demonstrando como a produção artificial tem superado a captura extrativa para suprir a demanda mundial. Além disso, o pescado é:
Diversos especialistas apontam o Brasil como o país com o maior potencial do mundo para a produção de proteína aquática, especialmente oriunda da aquicultura. No entanto, esse potencial ainda está longe de ser plenamente explorado. Atualmente, o Brasil produz cerca de 1 milhão de toneladas de pescado por ano, mas estima-se que temos capacidade para produzir entre 20 e 30 milhões de toneladas.
Temos tudo o que é necessário: recursos hídricos abundantes, clima favorável, áreas adequadas para cultivo e expertise técnica crescente. A aquicultura poderia, inclusive, superar a pecuária brasileira em termos de produção e importância econômica.
Contudo, diversas conquistas recentes do setor aconteceram sem apoio efetivo do Ministério da Pesca e Aquicultura. Exemplo disso foi o aumento das exportações, a suspensão de importações de pescado do Vietnã e o fim da exigência do CSI para exportação — avanços concretizados sobretudo pela articulação do setor produtivo junto a outros órgãos do governo. Em certas ocasiões, o próprio MPA chegou a desmentir ou minimizar publicamente problemas levantados pela iniciativa privada, como no caso de contêineres de tilápia importado no porto de Santos
Opiniões sobre a necessidade de um ministério exclusivo dividem o próprio setor:
Defensores do MPA: Acreditam que um ministério específico é fundamental para garantir políticas públicas contínuas e dar visibilidade à atividade, sobretudo no campo da aquicultura, que tem tudo para se tornar um dos pilares da segurança alimentar e das exportações brasileiras;
Contrários ao MPA: Preferem que a pesca e a aquicultura voltem a ser atribuições do MAPA. Argumentam que a instabilidade crônica do MPA e a falta de resultados concretos tornam inviável manter uma pasta dedicada, além de sobrecarregar o orçamento público. Muitos também lembram que setores ligados à soja, carne bovina e aves conseguiram se consolidar fortemente dentro do Ministério da Agricultura, sem precisar de um ministério independente.
A grande questão, portanto, não é apenas onde o setor estará alocado na máquina pública, mas quais políticas e ações serão desenvolvidas para aproveitar o enorme potencial de produção e o valor econômico do pescado. Seja no MPA, no MAPA ou em qualquer outra pasta, o que o Brasil precisa é de uma gestão sólida, com metas claras e sustentada por um diálogo permanente entre governo e iniciativa privada.
Outra questão que merece destaque é a inconsistência terminológica no próprio setor. No Brasil, temos dois termos concorrentes — “aquicultura” e “aquacultura” — para a mesma atividade. Essa duplicidade não apenas causa confusão, mas enfraquece nossa posição em um mercado global. Países líderes do setor optam por nomes únicos e coesos, que facilitam a comunicação e reforçam a identidade da atividade.
Da mesma forma, o uso de “pescado” em vez de “pesca” poderia unificar o setor e alinhar sua imagem à de outros segmentos estratégicos. Afinal, não se trata apenas de pescar, mas de gerar alimento, emprego e desenvolvimento sustentável.
O nome não é apenas um detalhe. Ele molda percepções, influencia decisões e define prioridades. Substituir “pesca” por “pescado” pode parecer um ajuste pequeno, mas teria impacto significativo na maneira como o setor é percebido e valorizado, tanto pelo público quanto pelos tomadores de decisão.
Mais do que isso, precisamos reconhecer o papel estratégico do pescado como a proteína animal mais consumida no mundo e a oportunidade única que o Brasil tem de se tornar líder global na produção e exportação dessa proteína.
Em um momento de possíveis mudanças governamentais, não podemos perder de vista a importância de dar ao setor o reconhecimento e a estrutura de que ele precisa, seja por meio de um ministério exclusivo ou integrado a outra pasta forte, como o MAPA.
Eu, particularmente, defendo veementemente uma mudança em nomes como Ministério da Pesca e Aquicultura, Engenharia de Pesca ou Instituto de Pesca, para Ministério do PESCADO, Engenharia do PESCADO e Instituto do PESCADO, e você?
Graduado na primeira turma do Brasil de Engenharia de Aquicultura, pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2003), possui Mestrado (2007) e Doutorado (2014) pelo Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da UFSC. Trabalha com produção de camarões marinhos há 23 anos. Foi Pesquisador da Epagri entre os anos de 2009 a 2011. Há 15 anos atua na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, onde é Professor Adjunto VI (na graduação e pós-graduação) e Pesquisador. Atualmente coordena o Laboratório de Aquicultura (LAQ) da UDESC e o Grupo de Interesse em Carcinicultura da UDESC (ação de extensão iniciada em 2018). É líder do Grupo de Pesquisa em Aquicultura da UDESC (GPAq), certificado pelo CNPq. É editor-chefe da revista AQUACULTURE BRASIL, fundada em 2016. Na iniciativa privada é produtor rural, sócio-proprietário da Mar do Brasil Aquicultura Ltda e do Restaurante Trapiche Laguna.
Aquicultura Ornamental Marinha
Atualidades e Tendências da Aquicultura
Extensão Rural e assistência técnica aquícola
Gestão financeira na piscicultura horizontal
Recirculating Aquaculture Systems
Segredo das Algas: Ciência, Sustentabilidade e Inovação
Sustentabilidade está pra peixe
Tecnologias, Inovação e Sustentabilidade
Preencha todos os campos obrigatórios.
No momento não conseguimos enviar seu e-mail, você pode mandar mensagem diretamente para [email protected].
Contato enviado com sucesso, em breve retornamos.
Preencha todos os campos obrigatórios.
Preencha todos os campos obrigatórios.
Você será redirecionado em alguns segundos!