Hoje discutiremos inovações na aquicultura, com foco no tratamento de efluentes e no reuso de água. Esta coluna traz um resumo de uma série de apresentações que já realizei em diversos eventos no Brasil, bem como para nossos alunos de graduação e pós-graduação da UFSC na área de aquicultura. 5g126g
Já foi mencionado meu histórico de formação, mas gostaria de destacar que, em 2010, ingressei na área de tratamento de efluentes e reuso de águas no Departamento de Aquicultura, após experiência profissional com saneamento básico, tratamento de efluentes sanitários e industriais. A partir desse momento, direcionei minha carreira para a aquicultura, buscando entender suas particularidades e demandas em termos de saneamento aquícola.
Para complementar minha formação, especializei-me em sistemas de recirculação aquícola. Em 2012, realizei um curso na Espanha sobre reuso de água para aquicultura e, em 2017, outro nos Estados Unidos, que trouxe uma abordagem mais prática e voltada ao mercado.
Quanto ao tema central da palestra dada para a Jornada de Reuso de Água, o Sistema de Recirculação Aquícola (RAS, na sigla em inglês), trata-se de um conjunto de unidades que permite o tratamento e reutilização da água no cultivo de organismos aquáticos, reduzindo significativamente a necessidade de renovação hídrica. O uso de tecnologias físicas e biológicas para tratamento de água é preponderante, visto que o uso de métodos químicos é limitado pela presença de organismos vivos.
Esses sistemas permitem a redução do consumo de água por quilo de peixe produzido. Em sistemas de fluxo aberto, o consumo pode chegar a 1.712 m³/h, enquanto em sistemas altamente tecnificados de recirculação, esse número pode ser reduzido para apenas 1,7 m³/h, exemplificando a eficiência no uso da água, conforme guia da FAO de 2022.
A FAO publicou em 2015 o primeiro guia sobre sistemas de recirculação aquícola, atualizado em 2022, que reúne dados importantes sobre a produção aquícola utilizando essa tecnologia. A adoção dessas práticas é crucial para o desenvolvimento sustentável da aquicultura.
O método RAS (Sistemas de Recirculação Aquícola) visa manter a água no ambiente de produção de organismos aquáticos, garantindo a sua qualidade de modo que não haja necessidade de reposição constante a partir de fontes externas. Este processo envolve um ciclo fechado, no qual a água é tratada e reutilizada para atender às demandas do cultivo. A implementação dessa tecnologia se justifica em contextos onde a disponibilidade de recursos hídricos é limitada ou sua qualidade está comprometida.
As fazendas aquícolas que utilizam RAS podem variar em estrutura e escala, desde instalações completamente fechadas, com ambientes controlados, até sistemas abertos, com tanques revestidos ou escavados. A escolha do sistema depende das características do organismo a ser cultivado e das condições ambientais necessárias para seu crescimento, como temperatura, pH, oxigênio dissolvido e níveis de nitrogênio amoniacal. O dimensionamento do sistema de recirculação é pautado pelo bem-estar dos organismos, buscando-se garantir um ambiente que promova o crescimento saudável.
Entre os principais componentes de um sistema de recirculação estão os tanques de cultivo e os equipamentos responsáveis pelo tratamento da água. Esses equipamentos incluem filtros mecânicos, biofiltros e sistemas de oxigenação, além de tecnologias para a remoção de dióxido de carbono e desinfecção da água, como luz ultravioleta e ozônio. A escolha dos processos e equipamentos varia de acordo com as necessidades específicas do cultivo e os recursos disponíveis.
A utilização de sistemas RAS tem se expandido rapidamente em diversas áreas da aquicultura devido a problemas relacionados à escassez e sazonalidade dos recursos hídricos, além da deterioração da qualidade da água em muitas regiões. Esses sistemas podem ser empregados tanto em grandes fazendas comerciais, com capacidade de produção em larga escala, quanto em instalações menores e mais especializadas, como aquários que visam a conservação de espécies ameaçadas ou reprodução controlada.
O uso de RAS também está relacionado à crescente demanda por um controle rigoroso da qualidade do pescado. Em sistemas abertos, a produção depende diretamente das condições ambientais naturais e de ciclos hidrológicos locais, o que pode introduzir incertezas e riscos associados à variabilidade climática e à qualidade da água. Em contrapartida, o RAS oferece um maior controle sobre o ambiente de cultivo, reduzindo a dependência de fatores externos.
Embora o uso de RAS possa reduzir significativamente o consumo de água e a área necessária para o cultivo, sua implementação envolve desafios. O investimento inicial em infraestrutura, especialmente em tecnologias de tratamento e monitoramento da água, pode ser elevado em comparação aos sistemas de fluxo aberto. No entanto, os benefícios em termos de controle da qualidade da água e aumento da produtividade podem compensar esses custos ao longo do tempo.
A adoção de sistemas de recirculação aquícola depende, portanto, de uma análise cuidadosa das necessidades do produtor e das condições específicas de cada fazenda. Em regiões onde a água é um recurso escasso ou onde há restrições legais e ambientais para o uso da água, o RAS se apresenta como uma solução viável e sustentável para a produção aquícola. No entanto, é importante continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para aprimorar esses sistemas e torná-los mais íveis e eficientes.
Ao analisar artigos sobre eficiência energética e demanda energética em sistemas de recirculação, observa-se que a principal ênfase das pesquisas reside no desenvolvimento de tecnologias que demandem menor consumo de energia elétrica, reduzindo o quilowatt-hora por unidade de produção. O objetivo é minimizar a necessidade de bombeamento, a demanda por oxigênio dissolvido e outros fatores correlatos. No entanto, outra questão relevante no Brasil é a predominância da agricultura familiar e a existência de pequenas propriedades agrícolas, muitas delas de baixa densidade. A maioria dos produtores aquícolas é de pequeno porte, o que impacta diretamente a operação de sistemas de cultivo.
A operação de um sistema de fluxo aberto, por exemplo, difere significativamente de um sistema de fluxo fechado, tanto em termos de manejo quanto na necessidade de profissionais especializados. Enquanto o fluxo aberto exige menos qualificação técnica, os sistemas de recirculação demandam profissionais com conhecimentos em engenharia sanitária, bioquímica, química, entre outras áreas. O manejo tecnificado desses sistemas aumenta a necessidade de mão de obra qualificada, como técnicos em mecânica e eletrônica. Embora seja viável treinar essa força de trabalho, a transição exige uma mudança de paradigma por parte dos produtores.
Um questionamento comum entre aqueles que desconhecem os sistemas de recirculação é: "É possível cultivar qualquer espécie aquícola em sistemas de recirculação?" A resposta depende da espécie e da fase de cultivo. Há protocolos estabelecidos para algumas espécies, permitindo o cultivo em circuitos fechados em determinadas fases do ciclo de vida, desde a reprodução até a engorda. No entanto, é necessário que o pacote tecnológico para cada espécie esteja plenamente desenvolvido, uma vez que cada uma possui requisitos específicos de desempenho zootécnico, como conforto ambiental, densidade populacional e parâmetros de qualidade da água (como níveis de CO₂, oxigênio dissolvido, amônia, nitrito e nitrato). A monitorização desses parâmetros é fundamental, e a adaptação desses sistemas demanda tempo e pesquisa.
Embora o Brasil tenha uma grande disponibilidade hídrica, essa distribuição é desigual. As regiões Centro-Oeste e Amazônica concentram a maior parte dos recursos hídricos, enquanto o Nordeste sofre com baixa disponibilidade. Os sistemas de reuso de água podem ser uma solução viável para regiões com escassez, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico e a produção de alimentos. Outro aspecto importante é a qualidade da água dos nossos mananciais. O aumento do adensamento populacional e as atividades industriais já comprometem vários corpos hídricos. A aquicultura demanda padrões de qualidade de água muito mais rigorosos que os utilizados em outras atividades, como a suinocultura.
O alto consumo de água pela agricultura também influencia a competição por esse recurso em diferentes bacias hidrográficas. Atividades industriais, de mineração e de produção animal possuem requisitos de qualidade hídrica distintos, o que acarreta conflitos de uso. O avanço dos sistemas de reuso, principalmente em função da sanidade aquícola e da prevenção de mudanças climáticas, apresenta-se como uma solução importante. A recirculação da água mantém parâmetros estáveis, como temperatura, alcalinidade, pH e oxigênio dissolvido, proporcionando economia e melhor qualidade no cultivo.
A cobrança pelo uso da água em alguns estados do Brasil e a tendência de aumento nos custos de produção fazem com que os sistemas de reuso de água sejam cada vez mais atraentes. A recirculação permite maior produtividade com menor área, tornando-se um aliado importante para o setor aquícola, especialmente em áreas urbanas.
Os sistemas de reuso estão intimamente ligados à sustentabilidade, e há um esforço crescente nas redes de pesquisa para reduzir tanto o custo de produção quanto o impacto ambiental. No entanto, para que essa tecnologia se torne mais difundida na aquicultura brasileira, é fundamental fomentar a pesquisa e desenvolver protocolos de cultivo seguros. A demanda por divulgação científica e tecnológica também é crucial, assim como a capacitação de profissionais multidisciplinares, incluindo engenheiros de aquicultura, biólogos, agrônomos, médicos veterinários e engenheiros sanitaristas.
O Brasil já conta com várias iniciativas de reuso de água, como a produção de alevinos de tilápia em sistemas de recirculação, que se mostra eficiente em vários estados, como Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Além disso, o país tem investido em aquaponia, combinando a aquicultura com a hidroponia, uma abordagem que otimiza o uso da água e dos nutrientes, tornando o processo de produção mais sustentável. Iniciativas como fazendas experimentais de piscicultura sustentável buscam testar tecnologias de reuso de água de baixo custo, ampliando a ibilidade para pequenos e médios produtores.
Por fim, o Brasil está despertando para a importância do reuso de água na aquicultura, seja pela necessidade de conservar recursos hídricos ou pela busca de maior sustentabilidade. O investimento em unidades de pesquisa e em formação de mão de obra qualificada são essenciais para consolidar essa tendência no país.
Até a próxima!
Engenharia Civil (FURB-Blumenau-SC), com mestrado e doutorado em Engenharia Hidráulica e Saneamento (EESC-USP-São Carlos-SP, pesquisando tratamento de águas residuárias. Possui pós-doutorado em modelagem numérica ambiental pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa em Portugal.
Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina dos cursos de graduação em Engenharia de Aquicultura e pós-graduação em Aquicultura.
Realiza pesquisa e extensão nas áreas de: sistemas de recirculação para aquicultura, modelagem hidrodinâmica, tratamento de efluentes aquícolas, impactos ambientais dos cultivos no ambiente e dos ambientes nos cultivos.
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